sexta-feira, 12 de março de 2010

Há muito o que se entender

Há muito o que se entender entre as pessoas.
E não falo das pessoas em si, esse objeto filosófico. Mas as pessoas entre sim, que se dão forçosamente por uma generosidade de sentimento. Ou uma necessidade agônica de pertencer e ser pertencido, como se nascer e morrer sozinho fosse o máximo suportável.
O entre é onde o mistério vive.
No espaço entre os olhares, entre as palavras, entre o tatear dos dedos e o desejo por mais.
Onde meu ser-pessoa anseia por seu próprio nome, dito por sua boca apenas.
De mim nada saberei se em seu gosto não houver sabor.
Há que se entender o entre.
Entre os braços, entre as pernas, entre os lábios, entre as portas que teimam em fechar.
Porque meu fim está no seu sentir e o caminho, em perceber que não precisamos sequer nascer e morrer sozinhos.
Mas há que se desvendar o entre antes.

terça-feira, 9 de março de 2010

Queria

Queria achar graça no que não entendo.
E me acomodar, rindo, na falta de resposta.
O mistério seria só um suspiro depois de uma gargalhada.
E haveria um cansaço bom de gente feliz
por se misturar ao nada.

Pensando...

No ato de conhecer se vislumbra a chave da compreensão.
Principalmente se o conhecimento é AUTO-CONHECIMENTO. Quando o que não entendemos do mundo se reflete nos vácuos, nos vazios, nas interrogações que trazemos conosco. Que podem ter sido geradas em nosso primeiro olhar o mundo, ao longo dos anos de infância, quando não temos voz ativa e o jeito é aceitar as coisas passivamente...senão, como crescer para questioná-las? Há que se ter um chão firme nesses primeiros anos de vida para fortalecer as pernas correndo e andando longas distâncias para que, quando a derradeira hora da dúvida chegar, se manter em posição digna. Em espanto e, muitas vezes, pânico... mas um pânico digno e coerente de ser humano.
Porque o que não entendemos muitas vezes não está no mundo, no abstrato, na metafísica, nas questões filosóficas da Humanidade. Está mais perto e mais dentro, em nosso sentir a realidade, em nosso viver em um corpo, em nosso estranhamento na distância e na corporeidade do outro - a tão temida alteridade.
Porque o mistério do mundo é o que meu entendimento não conseguiu captar.
Porque o sentido que não encontro é porque muitas vezes nem sei o que procuro, tão pouco me conheço.
O que me amedronta e apavora quase sempre mora comigo, sob a mesma pele, sob o mesmo abrigo. Porque então vivo em conflito?
Tanto o mundo chama com ruidosas meretrizes de sexo, bens, famas, gulas,distrações fúteis... poderes que para que me ausente de mim. para que meus olhos não perguntem mais nem busquem pistas a fim de lutar por se conhecer. Há Big Brothers no ar, novelas, livros que não ajudam ninguém pois não perguntam, não incomodam, não tiram da inércia o poder humano de entendimento. Mas pede-se aceitação. O mundo se unifica em um chamado para fora a cada dia mais alto, mais forte, mais espaçoso e mais cruel. E lá se criam 365 dias de puro carnaval.
E lá se perde o homem quando tão perto de seu próprio mistério.

domingo, 7 de março de 2010

O azul do fim

Ontem vi o azul do fim.
Ou do que não tem fim e, por isso, se esconde.
O céu, o mar e mesmo o amor com seus infinitos e impossibilidades são azuis.
De um azul fino e denso ao mesmo tempo, matéria e etérea aparição, roupagem e nudez no que não se deixa definir.
O azul que enxergamos nunca será o mesmo do mar, do céu ou do amor.
Porque uma cor só é cor para quem vê e a reduz à mera sensação.
E sabemos ser mais que olhos, mãos, sabores e sentidos.
Por isso talvez tenhamos vislumbres do que as coisas são: experiências únicas vividas em total solidão.
O azul do fim não se transmite.
Como o mar, o céu e o amor.
Se vive.

sexta-feira, 5 de março de 2010

Os anos e os dias

A idade só muda depois de muitas coisas terem mudado antes.
Porque números são frios e fácil o desenhá-los diferentes.
Mas os contornos, o de dentro do ser que se diz homem, muda o tempo todo.
Rasgando amarras, rompendo laços, interrompendo palavras que ficam divididas em sílabas ou coisa parecida.
Essa mudança de pele, de olhos, de cor, de toque e fala é a mudança dos dias. Esses sim muito mais volúveis que os anos.
Porque os anos marcam nossos documentos, nosso discurso, nossa resposta quando nos perguntam a idade. São óbvios, obscenos de tão explícitos.
Mas os dias passam comuns e, desapercebidamente, vão-nos mudando muito mais. E, quando percebemos, somos outros, multidões de desconhecidos vivendo sob a mesma pele, dentro de um mesmo corpo que se finge igual.
Para que nos reconheçamos uns nos outros.
Paa que não nos estranhemos quando olharmos no espelho e não identificarmos a que espécie, afinal, pertencemos.

quarta-feira, 3 de março de 2010

VOLTANDO AO BLOG

Não quero ser dona de uma só história.
Ou de uma só voz que tente explicar o mundo.
Tarefa talvez impossível, talvez pequena ou mesmo ampla demais.
Uma só voz não daria conta de tamanha contradição necessária para cercar todo um globo em seus diferentes lados. Porque é uma esfera só no nome uma vez que contém pessoas.
E pessoas têm arestas e farpas.
Não há como ser liso o contorno do mundo.
Não há como não doer entendê-lo ao abraçá-lo.
Pareço retroceder quando, na verdade, avanço. Pois sei que é de espera o caminho mas também tenho por certo a urgência do tempo.
Não posso ter uma só voz que siga coerente pela areia ou pela terra, pelo barro ou pelo asfalto, pelo corpo ou pela pele, pela dor ou pelo sentimento de tentar pertencer.
Não a uma só voz.
À uma garganta apenas que lhe dê moradia.
Não à um só corpo que em breve se desfará.
Não à uma lembrança sem marcas por não viver a voz que não se quis única.
Quero vinte, trinta mil vozes diferentes.
Para cada dia do ano,
para cada segundo de vida,
para cada amor,
para cada amigo,
para cada mãe e pai
que trago comigo.

segunda-feira, 16 de novembro de 2009

UM BARULHO ESTRANHO

Ouvi um barulho estranho. Nem bem um barulho. Era o som de uma ave que eu não conhecia. Tão pouco acostumados aos sons da natureza, parece que só reconhecemos buzinas ou alarmes de carro.
Corri para a janela para ver. E pude alcançar ainda o vôo de um gavião. Essa ave tão pouco afeita à nossa vista.
Moro em plena cidade do Rio de Janeiro, em meio a prédios, ruas, avenidas onde só asfalto, lojas e bancos são vistos ao longo do mar. Glorioso mar.
À frente de minha janela, uma pedra imensa que comporta, em seu vazio, um túnel. Mas do seu lado de fora, uma vegetaçao teima em sobreviver, agarrada na superfície dura de seu chão.
Outra semana vi dois abutres namorando na mesma pedra e alguns pequenos lagartos às vezes correm em disparada por sua superfície para se misturarem de novo à vegetação.
Quando a noite é quente, besouros e insetos visitam meu quarto, minha sala. E algumas aranhas até já se acomodaram pelos cantos ou tetos.
A vida ocupa todos os espaços.
Por menores que sejam, por mais improváveis que pareçam, há sempre algo vivendo em todo lugar.
Que nossos olhos e ouvidos estejam sempre atentos.
Que nossa sensibilidade esteja alerta e presente.
Porque somos parte dessa respiração, dessa ânsia por momentos, dessa conquista que é estar vivo, testemunha do tempo, do espaço, da liberdade de ser.